#criticando - A dança da realidade

La danza de la realidad 
Direção: Alejandro Jodorowsky 
Chile, 2013 
★ ★ ★ 

Sensível. Divertido. Intenso. Pura poesia. Uma alegoria, cheia de significados. Às vezes indecifrável. Um retrato surrealista de um Chile dos anos 30. Personagens exagerados, circenses, de uma infância imaginada do diretor. Alejandro, aliás, se coloca também como personagem. Como uma espécie de místico, de profeta. Com o mesmo ar místico, Jodorowsky conduz o filme. Um apanhado de emoções extremadas, mas com um toque quase sempre infantil. Inocente. Um jeito particular de se fazer cinema. A dança da realidade é de 2013 e marca o retorno do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky.
Um poema sobre o dinheiro, Jodorowsky e muitas moedas. Um circo logo em seguida. Um circo cheio de personagens deploráveis. Alejandrito (Jeremias Hersikovits), um menino de cabelos longos e loiros, que veste um estranho terno azul, parece ser, naquele lugar, a única alma viva. Os demais parecem estar mortos em suas próprias convicções ou personagem social. Ninguém se permite inventar, imaginar. Fica claro, desde o principio, Alejandrito não pertence ao lugar em que vive. Se sente um estranho. Distante de tudo e de todos. Nesse cenário, um submundo surreal parece acompanhá-lo. Personagens como a rainha do mar, o teósofo, os trabalhadores feridos da mina, são representantes desse submundo lúdico, ao qual Alejandrito parece pertencer. É então que, nesta primeira parte do filme, percebemos que o pai do menino, Jaime (Brontis Jodorowsky) terá por tarefa acabar com esse mundo particular do garoto. Tratando de reprimi-lo, puni-lo, afastá-lo de sua essência. Jaime consegue fazê-lo. Entretanto, Alejandrito continua a temer o mundo real e aqueles que nele habitam.
Não há preocupação exagerada com a fotografia. Os elementos chamativos, coloridos, inusitados em cena parecem ser, e de fato são, mais importantes do que enquadramentos elaborados que a câmera poderia captar – o que não faz do trabalho menos eficaz. Jodorowsky opta por uma estética desprendida, natural. Com poucos closes e planos detalhes. Os atores se movimentam no palco de seus cenários e a câmera simplesmente os acompanha. Sem segundas intenções.
A música cantada – como em um musical – sempre presente no filme, é também um elemento que torna a narrativa mais desprendida, mais leve. A divertidíssima e maravilhosa personagem Sara (Pamela Flores) mãe de Alejandrito, que canta como uma ópera todos os seus diálogos é sensacional. E, ao longo das cenas, absorvemos o fato como a forma de ser da personagem. Delicioso. A nudez é também um elemento importante, mostrada sempre de maneira sincera e pura, ingênua. Na função de desnudar a alma e o corpo do ator e personagem. Maravilhoso.
Inicia-se então a segunda parte do filme. A redenção, a purificação de Jaime. Ele, fanático por Stalin, decide matar o ditador chileno, Ibãnez. Porém, fracassa ao fazê-lo e começa um processo de decadência e autodestruição. Enquanto isso, com a ausência do pai, Alejandrito e sua mãe também começam um processo de purificação. De purificação de Alejandrito para com o ambiente no qual vive, e da relação de mãe e filho. Destaque para a lindíssima cena na qual Alejandrito, pintado inteiramente de preto, dança com a mãe nua pela casa no meio da noite. O menino diz então que já não teme a noite, pois sua mãe se dissolveu na escuridão. Belo. Por sua vez, Jaime finalmente se dá conta que o ditador que idolatrava, Stalin, é tão sujo e déspota quanto Ibãnez. Após um ataque em praça pública, é preso e duramente torturado. Quando encontrado, volta à sua casa, onde se vê como um fracassado. O processo, porém, chega ao fim. Jorge queima – literalmente – suas amarras, seu cabresto, sua idolatria cega por Stalin que apenas o destruía e o seu antigo eu. A família termina por ir embora de Tocopilla, recomposta, reconstruída.
A transição de sentido entre as duas partes do filme pode gerar certa dúvida. Se na primeira parte esperamos ver Alejandrito se impor em um mundo repressivo, na segunda o pai do menino é quem recebe os castigos da realidade. Antes, responsável por condenar o filho por seu comportamento, ele, mesmo adotando um comportamento impecável segundo seu conceito, também é massacrado por uma realidade dura, cruel, fria. Pergunto-me então qual a relação dessas duas etapas? A redenção do menino ao mundo, ou a do pai ao menino? Não sei. Talvez não saberemos. Talvez não se deva saber.
De linguagem única. Jodorowsky utiliza de toda a liberdade poética para colocar ele e sua família como personagens em uma historia fantástica. Em uma história que se mostra preocupada com uma época de ditaduras e repressão e com a crença das pessoas em falsa política, falsa religião e falsa sociedade. Sim, um retrato crítico também. Que fala da pobreza de dinheiro e de espirito de forma lúdica desde a primeira cena. Condenando claramente a falta de inventividade, de paixão, de pureza, de felicidade de alguns seres humanos. O cinema então é explorado em todo o esplendor de sua poesia. Não de sua técnica, mas de seu conteúdo, de sua temática e daquilo que desperta, através das emoções, em cada um de seus espectadores.



Postado por Danilo Craveiro
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