Criticando - Sonho (Dream)
Direção: Kim Ki-Duk
Coréia do Sul, 2008
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Diferente. Instigante. Mítico. Em algum lugar do outro lado do mundo. Em algum lugar que misture o passado e o presente. Em alguma lenda ou mito da cultura asiática. Em algum sonho. A atmosfera exótica é sem dúvidas o grande atrativo de "Sonho", longa do coreano Kim Ki-Duk. Os primeiros quarenta minutos são irrelevantes. Pelo menos, foi o que pensei. Uma sucessão de acontecimentos místicos e repetitivos envolvendo dois personagens que, até então, não se conheciam. Uma cena, porém, é capaz de mudar, não o rumo, mas a essência da obra. Talvez, não seja questão nem mesmo de mudança, mas sim de compreensão. A resposta à pergunta que até então estivera sendo feita, é finalmente apresentada. Apresentada de maneira sutil, mas esclarecedora. E temos assim, um drama charmoso que fala sobre temas comuns aos outros filmes do gênero - culpa, relacionamentos e consequências - porém, com uma roupagem experimental e um ambiente que desperta a curiosidade e a comoção de qualquer cinéfilo.
Jin (Jô Odagiri) acaba de um acordar de um sonho no qual causou um acidente de trânsito. Perturbado, vai até o cenário de seu sonho e se surpreende: o acidente realmente aconteceu. Sem entender, segue a policia que encontra o carro responsável pelo acidente na casa da jovem Ran (Lee Na-young), que é levada para a delegacia, mesmo afirmando que esteve dormindo durante toda a noite. A partir deste momento, o casal passa a sofrer constantemente, a mesma situação. Todos os sonhos de Jin são vividos por Ran. Ele é o primeiro a aceitar a situação, e buscar meios para resolvê-la. Ela, inicialmente cética, começa a acreditar no que está acontecendo, somente quando os sonhos passam a revelar uma parte da vida de ambos até então desconhecida do espectador: os dois, recentemente, terminaram seus relacionamentos de maneira conturbada. Ele, segue amando a ex-namorada. Ela, deseja se manter o mais afastada possível de seu ex. Tal conflito será o responsável por tornar a estranha maldição da qual são vítimas, ainda mais dolorosa e insuportável. Quando Jin sonha ter relações com sua ex, Ran as vive com seu ex.
E assim se passam os primeiros quarenta minutos do longa. Entediantes, confesso, mas igualmente interessantes. O principal atrativo do filme até então, é sem dúvidas, a estranha submersão à cultura oriental, mostrada com respeito e notável admiração. Os cenários, as paisagens e o maravilhoso figurino dos personagens são um reflexo evidente dessa cultura. Jin é um escultor de pequenos objetos com dizeres em coreano. Ran confeccionas roupas alegóricas - típicas da cultura coreana, eu imagino - em sua própria casa. Outra questão importante levantada até então é a da culpa. Quem realmente é o culpado? Em quem deve recair a culpa pelo que está acontecendo?
A real surpresa acontece aos 50 minutos de projeção, em uma cena - como já disse - esclarecedora. Não uma resposta mastigada, mas um ponto de vista indiscutivelmente poético e significativo. Alegórico. Não sabemos se em um sonho, ou se na vida real, mas o fato é que os quatro personagens principais se encontram e afloram todos os sentimentos que estivavam escondidos. Um campo inteiramente coberto com vegetação, aberto somente no centro, é o cenário de tal encontro. Nele, os respectivos ex estão em um carro branco, discutindo. Percebemos então, a razão pela qual o jovem casal estava conectado. Seus ex parceiros, são agora namorados. O ex de Ran se mostra extremamente violento, e acusa sua atual namorada de traí-lo, enquanto Ran e Jin os observam. A cena, é reveladora. Em meio a discussão, os personagens trocam seus papéis na história. Ou seja, em um momento vemos o ex de Ran discutindo com a ex de Jin. No quadro seguinte, o próprio Jin discute com sua antiga namorada, e assim sucessivamente. De maneira metafórica, entendemos que os quatros estiveram, o tempo inteiro, profundamente entrelaçados. A culpa se divide. Não existe somente um culpado. Os quatro são vítimas. Os quatro sofrem e fazem sofrer.
A linguagem poética predomina na história a partir de então, acrescentando bastante à narrativa, quando, já revelado o passado dos personagens, uma nova e inesperada possibilidade de futuro é apresentada: Jin e Ran se apaixonam. A maldição que os unira, entretanto, persiste e continua a assombrá-los. O amor é mostrado de maneira absurdamente diferente daquela que estamos tão acostumados a ver. Aqui, o amor é a própria maldição. Aqueles que tem o privilégio de senti-lo, carregam um fardo de igual intensidade. Cada personagem deve arcar com as consequências de suas atitudes e sentimentos, na mesma proporção que os vive. A realidade é dura e fria. Os sonhos também. O desfecho, alcança um tom ainda mais simbólico. A flagelação chega ao limite. Em nenhum momento, qualquer dos personagens sente paz. O resultado é inevitável: a morte. O suicídio, na verdade. Suicídio que representa liberdade. Liberdade da tortura e das consequências. A liberdade de estarem juntos. A mariposa, com seus inúmeros significados e lendas, acrescenta o significado poético e melancólico ao desfecho, representando a união dos amantes.
Sofrimento. Resignação. Culpa. O diretor propõe com "Sonho" uma obra experimental e puramente sensorial. Melancólica, sim. Exagerada no pessimismo, também. Uma visão exótica e mística da maneira como cada pessoa se relaciona com as outras, direta ou indiretamente, com suas consequências e culpas, acarretadas, não somente por elas mesmas, mas por alguma espécie de lei divina ou universal extremamente moralista. Por algo muito maior. E, acima de tudo, o amor simbólico e extremamente puro.
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Danilo. Apaixonado por cinema. Desde Sempre. Estudante de Cinema e Audiovisual. “A luz produzia sons, a melodia gerava luz, as cores tinham movimento porque eram vivas; e os objetos eram a um tempo sonoros, diáfanos e suficientemente móveis para penetrar-se uns aos outros e percorrer num átimo toda a extensão”.
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