#criticando - Jovem e bela


Jeune & Jeule
Direção: François Ozon
França, 2013
★ ★ ★ ★ 

Parte da seleção da 55ª Mostra Internacional de Cinema de Puebla realizada no mês passado, a produção mais recente do francês François Ozon, Jovem e Bela, traz uma versão estilosa de um tema já tão comum: a prostituição. De uma garota jovem e bela, especificamente, e sem razões para fazê-lo. Sim, indubitavelmente comum. Mas é, justamente, o estilo do diretor que acrescenta um charme único ao filme, explorando sem disfarces a todo o momento a misteriosa sensualidade da atriz e modelo Marine Vacht. A pergunta que desenrola a história se estabelece desde princípios: por que ela se prostitui? Dividido pelas quatro estações, com cenas belíssimas e algumas situações - principalmente o final - um tanto quanto questionáveis, o longa se esforça em não responder tal pergunta e trata o tema com a exata frieza e encanto de sua protagonista.
Começamos pelo verão. Laranja, verde, amarelo, cor de pele. Como cita Patrick Corrêa em sua crítica no blog Cinema Detalhado "o verão traz o calor e a ebulição dos corpos em atratividade crescente". Isabelle (Marine Vacht) e sua família passam as férias em uma casa de praia. Neste lugar, a garota que comemora seus 17 anos, se interessa por um jovem visitante alemão. Com ele, Isabelle tem sua primeira relação sexual - na praia - e se sente absolutamente desconfortável. Inicia-se então sua vida sexual. A introdução ao tema da sexualidade não poderia ser mais comum. O que não quer dizer que seja menos interessante. Ao contrário, como já disse, o estilo do diretor e a beleza da jovem tornam-se o foco da película, em contraste e suplemento à situação tão recorrente.
Inicia-se o outono. Estamos de volta à cidade. Amena. Com essa suavidade, vemos Isabelle subir a escada rolante de um metro e entrar em um hotel luxuoso. É seu primeiro programa. Sim, assim mesmo. Não vemos o porque nem o exato principio - até este momento - de seus atos. Apenas vemos. Sua sensualidade, sua expressão constantemente ponderada, seus movimentos discretos, seus clientes velhos, alguns conversadores outros agressivos e desprezíveis, suas amigas tão impessoais, sua família amorosa e comum, seu irmão menor cada vez mais distante - em contraste à parte anterior, ao verão. Apenas vemos. Isabelle e seus programas. Cada vez mais segura, cada vez mais sexy. cada vez com mais dinheiro. Uma prostituta de luxo. Não há conflitos pessoais ou morais, não há remorsos, não há dúvidas. Apenas há.
Eis que surge a primeira barreira, o primeiro imprevisto. Durante uma transa com seu primeiro e mais frequente cliente, Georges (Johan Leysen) sofre um infarto e morre. Isabelle se desespera e deixa o quarto do hotel - 6095 - o mais rápido possível. Pela primeira vez ela está fora do controle da situação, quase fora do controle de suas emoções. Trata-se pois de uma das situações um tanto quanto questionáveis, como comentei no princípio. Me pergunto se tal acontecimento novelesco - e me desculpe, um tanto ridículo para mim - era realmente necessário para se fazer descobrir ante a família da jovem seus atos de prostituição. Não pense que estou dizendo que não funciona. Sim funciona para o desenrolar do roteiro, me incomada, porém.
Começa o inverno. Isabelle deixa de fazer programas - por um período - após o ocorrido, e mostra uma ligeira confusão, indecisão em relação a suas atitudes. Mantendo, porém, a ausência de dramas pessoais ou remorsos significativos. Ambos, a narrativa e a protagonista, continuam ponderados, amenos, mesmo diante da adversa situação que só tende a piorar. Sylvie (Géraldine Pailhas), mãe de Isabelle, recebe em seu consultório a visita de dois policiais. Eles investigam a morte de Georges no quarto de hotel e trazem provas da presença de Isabelle no mesmo local e na mesma tarde. Sylvie se choca. Os dois policias conhecem a fundo uma parte da vida de sua filha que ela mesma desconhecia, totalmente. Obviamente, há o conflito entre mãe e filha. Isabelle chora, Sylvie se descontrola, se exalta. O tom, porém, é sempre o mesmo. Ameno. Em sua declaração à policia, na delegacia, Isabelle explica como começou, quando um homem a seguiu na saída da escola e lhe ofereceu dinheiro por um momento de sexo. A relação entre a família, complicada e principalmente a angústia da mãe, torna-se o alvo do filme. A primeira atitude de Sylvie é levar a filha a um psicologo. Mesmo nas sessões, a pergunta não é respondida e a ausência de motivo se torna explícita. Isaballe fala de suas relações, dos homens, do dinheiro. Mas não há razão. E sua expressão continua a mesma: ponderada e sensual, sendo que, mesmo afastada dos programas, a tensão sexual entre Isabelle e o sexo masculino - com amigos de sua mãe, com seu psicólogo e até mesmo com seu padrasto - continua fortemente presente, como algo que faz parte de seu caráter. Característica que me lembra em muito a personagem de Elizabeth Taylor em Disque Butterfield 8 (1960, direção: Daniel Mann), também prostituta de luxo cujo desejo de estar com vários homens é abordado como algo intrínseco à sua personalidade.
E eis que uma solução - principalmente para a mãe de Isabelle - parece ter sido encontrada. Após ir a uma festa, o que não fazia com frequência, Isabelle conhece um jovem. Eles se tornam namorados. Na cama, ela surpreende. E nos perguntamos: era isso? Ela precisava de um "amor"? De um namorado? Não. Não era isso. A primavera começa. A relação termina. E também não motivos, exceto pelo visível incomodo que Isabelle sente ao ver seu namorado sendo aceito por sua família. Não há tesão por parte dela. Voltamos à etapa anterior. E o inevitável acontece, tal situação não se sustentaria por muito tempo. Isabelle ativa o antigo chip de seu celular, o que usava para marcar os programas. Centenas de mensagens. Seu próximo cliente: a viúva de Georges, Alice (Charlotte Rampling). Inicialmente pensamos tratar-se de sua primeira cliente mulher. Em seguida, já no quarto do hotel - após as confissões da viúva - pensamos que elas realmente terão relações. Mas não. A conversa: pouco intensa, pouco produtiva, pouco emotiva. Um dos outros pontos do filme, em partes, questionável. Me pergunto, como realmente tal encontro conclui ou acrescenta à história? Qual o sentido? Mas não há sentido. Não há respostas. Apenas o olhar. O olhar das duas. Belas. Sim, Isabelle jovem e bela e Alice envelhecida e igualmente bela. O olhar de Alice maduro, rústico, acinzentado. Cheio de ódio. E Isabelle, assustada, surpreendida. Infantil. Mas sensual, ainda sensual. No vazio desse encontro que Ozon conclui a película. Isabelle acorda sozinha no quarto do hotel. Um sonho? Talvez. Penso que não. Mas sim, o vazio.
Se o argumento é comum, a beleza da fotografia conquista. O talento do elenco e a personalidade da direção também. Neste que, apesar de não ser, penso eu, dos trabalhos mais relevantes do cinema europeu, é um dos meus favoritos. E assim, na expressão de seus personagens, na delicadeza da fotografia, no mais puro exercício de fazer cinema, Jovem e bela conquista. Inquieta. No vazio de suas respostas e na insistência de suas perguntas. Ao fim, tudo tão simples e tão confuso como no princípio. Melancólico também. E vazio, apenas o vazio.





Postado por Danilo Craveiro
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