#criticando - Nosferatu, o vampiro da noite


Nosferatu - Phantom der Nacht
Direção: Werner Herzog
Alemanha, 1979

★ ★ ★ ★ ★

Refilmagem do clássico alemão dirigido por F. W. Murnau em 1922, "Nosferatu - O vampiro da noite" apresenta a clássica história do vampiro Drácula, de maneira única. Figuras assustadoras. Monstros da morte, sem sentimentos e capazes de tudo para conseguir aquilo que querem: sangue. Muitas vezes, seduzem suas vítimas antes do ataque. São ainda poderosos e quase indestrutíveis. Vampiros e vampiras sempre permearam a historia do cinema. Retratados, porém, na maioria das vezes, seguindo a descrição acima. Se a cultura oferece tal descrição, o cineasta alemão Werner Herzog vai além.
O filme começa em uma pequena cidade fictícia na Alemanha, em algum lugar do século XIX. Como Chico Lopes cita em sua crítica no site Verdes Trigos, enfatiza-se então, um "provincianismo pequeno-burguês". Jonathan (Bruno Ganz) é um pacato trabalhador que, ao lado de sua esposa Lucy (Isabelle Adjani) leva uma vida comum. Ao receber a tarefa em seu emprego de levar um contrato imobiliário para um conde em um lugar distante, não resiste em aceitar, mesmo diante dos pedidos de sua amada - e encantadora - esposa que pressente algo ruim. Levado por um desejo de busca, de mudança, ele parte em sua viagem. Em seu percurso, é orientado por um grupo de ciganos a não continuar.Mais uma vez, o rapaz ignora as advertências e prossegue.
Cumprindo seu objetivo, chega ao castelo - em ruínas - do Conde Drácula. Jonathan, é recebido com um banquete e logo percebe a estranheza de seu anfitrião. Nosferatu é muito pálido, aparece somente à noite e é extremamente solitário. Aos poucos, Jonathan se dá conta de outras características do estranho que o recebera em sua casa. Baseando-se em livros que os ciganos lhe deram, o rapaz chega a conclusão de que Nosferatu é um vampiro. Ao tentar fugir, percebe-se preso no castelo e lembra-se de um importante detalhe: no dia de sua chegada, Nosferatu vira uma foto de Lucy e se apaixonara. Começa, então, a busca de Nosferatu por Lucy. Em sua viagem pelo Europa, o vampiro espalha a desgraça, levando consigo a peste. Ao chegar em seu destino não tarda em buscar Lucy que o despreza pressentindo as dificuldades do esposo. Jonathan consegue fugir e, quase inconsciente por ter sido mordido pelo vampiro, retorna à sua casa. Um diário que escrevera enquanto estava aprisionado, permite que Lucy compreenda todos os acontecimentos.
Movida por seu amor idealizado e pelo ódio que sente por Nosferatu, Lucy se fortalece e toma a decisão de aniquilar o vampiro que, com a peste, destruiu toda a pequena cidade. O vampiro, apaixonado, propõe à Lucy que ela fique com ele, ao que a moça se nega terminantemente, dizendo preferir a morte. E assim acontece. Em uma armadilha à Nosferatu, ao cantar do galo, ela se oferece à ele, e ao amanhecer, o vampiro da noite morre após matar também a bela Lucy. Ela, porém, se esquecera de um detalhe: seu amado Jonathan - por ter sido mordido - torna-se um  vampiro. A maldição assim, prosseguirá.
A história pode parecer a mesma. O diferencial está na forma, a maneira como ela é contada. A visão poética é soberana. Deixando as tradicionais convenções sobre vampiros de lado, Herzog acrescenta aos personagens, sentimentos. Sentimentos que, ainda que clichês em certos momentos, formam uma atmosfera única para o desenrolar da história.
Podemos observar, primeiramente, tais características no relacionamento do casal protagonista, Lucy e Jonathan. Juntos, eles constituem um amor idealizado. Pontualmente romântico, ambos vivem um sentimento puro, incontestável. Um relacionamento restritamente poético, o que se torna muito claro na belíssima cena da praia. O amor do casal é solidão, é tristeza, é sofrimento. Fatores que parecem ser suficientes para ela, as não para ele. O que para ela é sinônimo de perfeição, para ele torna-se tédio. Tédio que a leva a buscar algo mais, mesmo que esse algo mais o leve à morte, ou contra seu próprio destino. Tal atmosfera é muito bem favorecida pelo ritmo lento do longa - muito diferente do que se espera ver em um filme do gênero - e pela exuberante trilha sonora.
Outro relacionamento igualmente importante, é aquele estabelecido por Nosferatu com o casal. Desde o princípio do filme, Herzog faz quest]ao de deixar clara a fragilidade emocional de seu vampiro: um ser extremamente solitário, abandonado, preso em sua maldição e em sua incapacidade de morrer. Magistralmente interpretado por Klaus Kinski, o temível monstro porém, mesmo em sua fragilidade, não resiste aos seus instintos. Sempre que surge uma oportunidade, como com Jonathan ou no fim do filme com Lucy, ele fará suas vítimas. Esta é, justamente, parte também de sua maldição, ele fora capaz, naturalmente, de matar a mulher pela qual se apaixonara. A relação que se estabelece entre os três é claramente reprimida, em vários aspectos, tanto no emocional como no sexual. Antes de morder Lucy, o vampiro acaricia as pernas da moça. E nada mais acontece. Eis nesta cena, a única insinuação sexual do filme. Símbolo, talvez, de tal repressão.
O contexto histórico também acrescenta muito à história. Nosferatu é o responsável por espalhar a peste pela Europa. Um dos grandes acertos do filme. O fato, favorece a atmosfera agoniante: a ameaça não se concentra somente no ser, no vampiro. Com ele, milhares de ratos multiplicam a desgraça e espalham a morte. Lucy fica só. E temos uma das cenas mais bonitas. A desgraça trás também a loucura. As pessoas, sabendo que morrerão, saem nas ruas, cantam, comem, comemorem. Menos Lucy, afinal, ela é a única que sabe de onde vem e como acabar com o mal.
A direção de fotografia engrandece o longa. Somos, no início, totalmente absorvidos pelo puritanismo do casal. As cores são claras, limpas, confortáveis. Sentimos segurança. O que vai desaparecendo aos poucos. A ameaça começa com tons de azul até o preto. Existem variações, mas as cores frias são unânimes. Assim como os personagens, que crescem de maneira antagônica. Enquanto vemos Lucy passar de esposa fiel e dedicada à mulher forte e decidida, seu marido Jonathan torna-se um vampiro. Ela dá a vida pelo bem. Ele torna-se o próprio demônio. E então, o final que pode parecer feliz em certos aspectos, não é. O amor, que ela tanto lutou por defender, se algum dia realmente existiu de forma mútua, jamais existirá novamente. E não  pela morte dela, mas sim pela mutação dele. Ambos se condenam à solidão eterna. Ela, na morte. Ele, em vida.
A visão única de Herzog impõe um olhar único ao filme. Olhar refletido nos atores, nas cenas, na trilha sonora. Assim como a perfeita sinfonia de uma orquestra que, no final, permanece como uma daquelas obras a serem apreciadas. Apreciadas e debatidas. Do começo ao fim, cinema puro.







Postado por Danilo Craveiro
Discussão 1 Comment

1 Comentário em: #criticando - Nosferatu, o vampiro da noite

  1. Não só acaricia as pernas dela, mas também aperta os seios (como pode ser visto na imagem),

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