Criticando - Sem pudor (Shameless)


Bez wstydu
Direção: Filip Marczewski
Polônia, 2012
★ ★ ★ ★

Relacionamentos fadados ao fracasso. Relacionamentos difíceis. Relacionamentos fora de proporção e de contexto. Rápido. Ágil. Bem humorado. Delicioso. Se por um lado “Shameless” traz uma bagagem densa e problemática, por outro, apaixona e entretêm. Narrado de maneira ágil, os fatos são relatados de maneira simples e direta. Mantendo, é claro, a atenção do espectador no enredo e, principalmente, nos personagens. A história: Tadek (Mateusz Kosciukiewicz) um rapaz inquieto e desajeitado. Anka (Agnieszka Grochowska), sua meia irmã, uma moça bonita, mas amargurada e dolorida. Sem rumo. Ele, que esteve vivendo com uma tia, toma a decisão de voltar ao apartamento da irmã, onde morava quando mais novo e da onde fora expulso por um motivo delicado: a paixão que mantinha - e que veremos, ainda existe - pela irmã. O pano de fundo: um bairro pobre que enfrenta graves conflitos étnicos e religiosos. O resultado: um filme interessante que deixa a rara sensação de que poderia ser, ao menos, 20 minutos mais longo.
A primeira cena marca o encontro de Tadek e Irmina (Anna Próchniak). O rapaz, após ser expulso de um trem em movimento a caminho da cidade da irmã, é visto pela jovem cigana que, guarda passa a guardar a certeza de que eles se reencontrarão. Temos, portanto, um dos relacionamentos do filme. Provavelmente não o mais importante, mas o coadjuvante que insere, certamente, um contexto interessante ao enredo principal. Na cena seguinte, a insinuação está presente. Tadek chega ao apartamento de Anka, e a jovem abre a porta sem blusa. Um momento embaraçoso que insinua - desde a primeira cena - que a relação dos irmãos envolve, de alguma forma, desejo sexual. 
Conhecemos então os personagens. Tadek é simpático e carinhoso. Às vezes, quase infantil, é perturbado pelo que sente pela irmã. Anka é sexy e fácil. Seu namorado, Andrzej (Maciej Marczewski), é um neonazista com aspirações à político, é casado e tem dois filhos. Irmina, a jovem que se fixara em Tedek, vive em um bairro pobre de ciganos, sujeita aos constantes ataques de grupos fascistas. Inteligente e ambiciosa, seu desejo é cursar medicina, mesmo sabendo das barreiras impostas pelos costumes preconceituosos e machistas de sua família. A relação entre os quatro acontece em, como já disse, sentimentos fora de proporção. O desejo de Tadek pela irmã é crescente. Anka, ao mesmo tempo que decide fazê-lo entender que a relação dos dois será apenas a de irmãos, alimenta, ainda que de maneira inconsciente, a imaginação do meio irmão. Já Andrzej se mostra, também de maneira crescente, desprezível. Inicialmente sem motivos, somos levados a desconfiar de seu caráter. Mais adiante, nos damos conta de seus atos preconceituosos e humilhações às quais expõe sua própria namorada. Enquanto que Irmina passa a ajudar Tadek em todas suas necessidades, na esperança inocente e maliciosa de que certamente um dia, se casarão. 
As consequências de tais relacionamentos acontecem também de maneira gradual. Inicialmente, tudo parece ir bem. Anka e Tadek conseguem manter uma relação fraternal; Andrzej é abandonado por Anka, após ser pego em seu apartamento com uma prostituta; e Irmina parece conseguir a amizade de Tadek. Podemos então dizer que, na segunda parte do longa, os acontecimentos tendem, justamente, a desequilibrar as situações e traçar o desfecho da história, de maneira cíclica. A família de Irmina, decide que a jovem se casará com um imigrante inglês conhecido de seu pai. Aflita, procura Tadek que a despreza. Pois, naquela mesma noite, aquilo que tanto desejara estava por acontecer: sua relação sexual com Anka. A partir de então o ciclo se aproxima de seu fim. Tudo terminar como começou. A relação dos irmãos se rompe. O rapaz é novamente expulso do apartamento da irmã.  Irmina, após se casar, vê seus sonhos e ambições desaparecerem, se tornarem ainda mais distantes. Inclusive sua paixão por Tadek. Aliás, a cena da despedida dos dois é a mais bela do filme. A última cena - que me pouparei de descrever - bem humorada e inesperada, propõe justamente a sensação de ciclo, pois, no fim do tudo, ambos continuam sendo irmãos.
Tantas vezes retratado como algo absurdo, aqui, o incesto é apresentado a partir de um ponto de vista surpreendentemente natural. Talvez por isso a palavra incesto pareça não se encaixar nesta história. A questão se resume a emoções e sentimentos. Relacionamentos. Relacionamentos e conflitos. Conflitos étnicos - às vezes deslocados ou mal aproveitados - e pessoais.  Alheios à teorias e conceitos. Afinal, aquilo que sentem é, mesmo confuso, mais verdadeiro.


Postado por Danilo Craveiro
Discussão 2 Comentários

2 Comentários em "Criticando - Sem pudor (Shameless)"

  1. Relacionamentos.....sempre complicados.

    Tema incesto sempre é ainda mais complicado.

    Assisti Os Maias, série, recentemente e adorei. Porém, nesse quesito achei falho a abordagem da série.


    abs

  2. Obrigado pelo comentário. Com certeza é um tema complicado, mas o filme soube abordar muito bem.

    Até mais

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