Criticando - Carne Trêmula


Carne Trémula
Direção: Pedro Almodóvar
Espanha, 1997
★ ★ ★ ★ ★

Que a proposta dos dois autores era totalmente diferente ninguém discorda. O filme baseado no romance da inglesa Ruth Rendell, dirigido por Pedro Almodóvar há não tão longos 15 anos atrás, preenche de conotação sexual a dramática história de Victor. Se nas páginas somos completamente absorvidos pela mente sensível e perturbada de um estuprador, nas telas, Almdóvar descarta características grosseiras e o transforma na peça principal de um frágil relacionamento emocional de um grupo de conhecidos. A paixão, entretanto, se mantém.
Victor (Liberto Rabal), um jovem entregador de pizzas, discute com Elena (Francesca Neri). Ele a conhecera há poucos dias, e a deseja. A moça o despreza. Para obrigá-lo a sair de seu apartamento, Elena o ameça com a arma de seu pai. Alterados, acabam atraindo a atenção de dois policiais que os veêm pela janela. David (Javier Bardem) e Sancho (José Sancho) decidem entrar. Ouve-se um disparo, possivelmente acidental. O destino dos quatro se cruzara então de maneira estranhamente drámatica e excitante. Victor é mandado à prisão por tentativa de assassinato. O disparo, atingira David e o deixara paraplégico.
Anos mais tarde Victor é colocado em liberdade. Ao buscar David, o encontra casado com Elena e feliz como um astro do basquete. Aproximar-se dos dois torna-se seu objetivo. Alcançado quando, involuntariamente, passa a ser o amante da atual mulher de Sancho, o colega de David também presente no dia que mudara suas vidas. A partir dessa pesperctiva a história dos cinco personagens vão se relacionando cada vez mais.
Ainda que com relações melodramaticamente surreais, no longa a essência do livro se mantém, porém com um ponto de vista decididamente explorador das relações sexuais entre os personagens. De maneira intensa e excitante, sensível e clássica.
A principal diferença entre ambos consiste no personagem principal. No romance de Rhendell, Victor é extremamente complexado. Cheio de perturbações,  temores e desvios psicólogicos que acabam por esvair-se em seus estupros e em seu caráter violento, ainda que seja retratado também como sensível e amoroso, como a principal vítima de sua enfermedade psicológica. Já para Almodóvar, todo esse complexo se torna somente uma insinuação, e passa a expressar-se de forma externa, mas não com estupros ou violência, mas sim em suas relações amorosas. Suas perturbações são idealizadas e maquiadas. O Victor estuprador, assassino e perturbardo é descartado no filme, já que isso colocaria em discussão outros conceitos, exigindo do espectador um ponto de vista muito mais amplo e compreensível, além de causar uma desconfortável sensação de compaixão para com o crimoso, que confesso, gostaria de sentir, e que é tão presente no livro, ainda que de maneira não tão intensa quanto seria caso a moça se apaixonasse pelo crimoso.
Assim sendo o filme aborda uma possibilidade que pode ser considerada tanto ou mais ousada que a do livro: e se crimoso e vítima se apaixonassem (ponto de pergunta). Podemos dizer que o filme é uma resposta a essa dúvida. A concretização da possibilidade insinuada de paixão. Paixão de ambas as partes. Além disso, a possibilidade sexual.  No romance, somos estranhamente levados a sentir afeição por Victor, acreditando em seu amor por Claire e desejando sua felicidade ao lado da moça. No filme, esses desejos são realizados. Para isso, o diretor faz uma releitura totalmente possível da história. Ele cria uma nova narrativa que, de certo modo, estava presente no livro. Assim como acontece com o o ponto de vista explicitamente mais sexual presente no filme. Porém, é claro, tudo é levado pelo diretor de maneira maravilhosamente sensível e fantástica, descartando vulgaridades.  Todas as cenas de sexo são são justificaveis, e acima de tudo, artísticas, cada qual com seu sentido para existir. Afinal, é ilógico assistir uma obra do espanhol sem esperar cenas deste tipo.
Outro ponto interessante adicionado por Almdóvar consiste na mudança de Elena. Incialmente rebelde e  baladeira, ao casar-se com David ela se amadurecida, interiorizada, e até infeliz eu diria. O detalhe acrescenta um ponto de vista , ainda que pequeno, absurdamente interessante à história. Afinal aquela instante também mudara sua vida e seu modo de ser, da mesma forma que acontecera com Victor e com David.
Mas sem dúvidas, o ponto alto do longa está no final. Elena e Victor terminam juntos. Talvez por isso o perfil de Victor tenha sido alterado. Ainda assim o desfecho não perde seu impacto. O criminoso levemente perturbado termina com a mocinha da história.
Por último, outro ponto importante, e bem simbólico, é o título da produção, Carne Trêmula. No filme podemos encarar carne trêmula como uma clara referência ao ato sexual. Se alguém dúvida disto, basta ver o poster promocional do filme, duas pernas entrelaçadas. Já no livro, carne trêmula é a doença, tique nervoso ou algo do gênero, atribuida à Victor, que não pode controlar alguns tremores em momentos de tensão, tal como acontecera no dia da tragédia.
Um clássico da literatura inglesa se transforma em uma daquelas histórias particulares de Almdóvar, que estabelece sua visão única para uma história grandiosa. Visão que expande, e não restringe. Visão que coloca, a todo momento, em paralelo duas características tão bem exploradas: a perturbação e os relacionamentos de Victor. Perturbação insinuada. Assim sendo, o livro pode ser visto como a realização da perturbação de Victor insinuada no filme. E o filme, como a realização da sexualidade e paixão insinuada no livro. Ambos passam a ser complementares.






Postado por Danilo Craveiro
Discussão 1 Comment

1 Comentário em: Criticando - Carne Trêmula

  1. Um clássico que não vi ainda.
    Feliz Natal!

    __
    http://algunsfilmes.blogspot.com.br/

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