#criticando - Apenas Deus perdoa


Only God forgives
Direção: Nicolas Winding Refn
França, 2013
★ ★ ★ ★  

 De indiscutível estilo. Cada luz, cada cena. Uma mistura de cores, precisa, bela. Cada enquadramento, cada movimento. A trilha sonora hipnotizante. Cada elemento presente nessas cenas, cada objeto que ocupa com significado um lugar exato na imagem. Nada se vê por acaso, nada se coloca por acaso. Na precisão, a mais pura execução do cinema. Me pergunto, porém, o que sobra de tudo isso no final ? O filme é de 2013, dirigido por Nicolas Winding Refn, que também assina a direção de Drive.
As ações são demasiadamente longas e entrecortadas. Nada se entrega ao espectador. Nada vêm pronto. A câmera é contemplativa. Da primeira a última cena. A primeira: um ringue com lutadores ocidentais. Julian (Ryan Gosling), o dono do lugar, assiste a luta. Billy (Tom Burke), irmão de Julian, anda pelas ruas. Em um bordel, ele, descontrolado, ataca as moças e o dono do lugar. Um policial e um senhor em uma cela. O senhor mata Billy, também na cela, e depois tem seus punhos cortados pelo policial, o tenente Chang (Vithaya Pansringarm). Uma sucessão de cenas violentas e desmontadas. Ou melhor, montadas de maneira não cronológica e apelativamente dramáticas. Um clima de tensão está presente em cada momento, como se algo explosivo estivesse prestes a acontecer. Mas não acontece. Há apenas a brutalidade de personagens frios, como bonecos, que tem por instinto e única reação a violência, em um mundo pesado, utópico, alheio.
A atmosfera muito se aproxima da formalista. A sensação de estar em um sonho, em um pesadelo é constante. A história conta-se por imagens, poucos e irrelevantes diálogos. Cada plano é explorado em sua exaustão, estático para sua maior contemplação. A imagem fala por si só. A imagem grita. Causa estranhamento e desconforto, assegurando a cada quadro um poder enérgico. A montagem entrecortada e repleta de elipses propicia também a constante presença do extracampo – aquilo que sabemos que está acontecendo mas não vemos, característica do realismo.
Com a chegada de sua mãe, Crystal (a excelente Kristin Scott Thomas), Julian enfrenta um dilema: ela exige que o filho vingue a morte do irmão, que, já se sabe, estuprou e matou a filha de 16 anos daquele que se tornaria seu assassino. Julian contraria a vontade de sua mãe e não o faz. Mas, mesmo assim, se vê envolvido em um ciclo de violência, como vítima e como agente. Cercado por pessoas e elementos que não controla, que funcionam com energia própria, movidos pela estranheza de um submundo cego e cruel.
Já a esse ponto podemos nos perguntar: o que há nesses personagens? Quem são eles? Colados ao cenário, tornando-se objetos de cena e fantoches da narrativa afetada, estilizada, única. Eles continuam colados. Sem emoção. Percebemos assim, que a dramaticidade não se baseia nos personagens em si, mas no conjunto de suas ações caracterizadas e absorvidas pelo meio no qual estão inseridos. Pela beleza e singularidade de seus rostos que, mais uma vez, são bonecos. Do diretor, do roteiro, da montagem. Da ação. Mas não são emoção. Não emocionam. Não dizem nada. Apenas prometem.
O ciclo da violência se fecha. Morrem os que mataram, ferem os que feriram. E fim da história. Apenas Deus perdoa se fecha no vazio – no peso colorido de seu estilo, de seu charme, de sua exuberante execução. O que resta? O mais puro exercício do cinema. A hipnose da sucessão de planos, cenas e sequencias, em perfeita sintonia, criadores de uma atmosfera sensorial e autoral. Mas isso é o suficiente? Além disso, não há nada? Há o vazio? O vazio de uma violência repulsiva, desprezível? O vazio das emoções, da identificação, dos personagens, da história? Um vazio desconcertante e desdenhável? Talvez. Afinal, o cinema precisa disso? Essa junção de sons e imagens realmente precisa sempre de uma mensagem clara com começo meio e fim? – e quem sabe até um final feliz? Não. Definitivamente não. A experiência final então se baseia na estética. O único elemento concreto é a estética. A imagem. O quadro. E o vazio. Propositalmente desconcertante.






Postado por Danilo Craveiro
Discussão 0 Comentários

Comente

Tecnologia do Blogger.